Etnia Mehinako

Habitantes da área cultural região conhecida como Alto Xingu (englobada pelo Parque Indígena do Xingu), os Mehinako são parte de um amplo complexo de povos pouco diferentes entre si. O sistema especializado de trocas comerciais, os rituais intersocietários e os padrões de intercasamento a um só tempo enredam e particularizam os Mehinako das demais etnias que os circundam. Entretanto, em meio às suas semelhanças com outros povos alto-xinguanos, os Mehinako se consideram antes de tudo Mehinako, e se orgulham de ser uma comunidade humana especial.

 História da ocupação no Alto Xingu

Gaiola da harpia na aldeia dos Mehinako. Foto: Acervo do Museu do Índio, s/d
Gaiola da harpia na aldeia dos Mehinako. Foto: Acervo do Museu do Índio, s/d

Ao recontar o seu passado, os Mehinako descrevem apenas algumas gerações de ancestrais antes de alcançar os "tempos míticos" (ekyimyatipa), quando os heróis culturais e os espíritos criavam humanos, instituições sociais e a geografia da região do Xingu.

Até onde se tem conhecimento, os Mehinako sempre viveram na bacia do Xingu, na região dos rios Tuatuari e Kurisevo. A primeira aldeia de que se tem registro é Yulutakitsi, que deve ter sido habitada há 150 anos ou mais em localidade incerta. O que faz Yulutakitsi especialmente intrigante é que o grupo estava, naquele tempo, dividido em metades, cada qual vivendo em fileiras triplas de casas, em lados opostos da praça central. De acordo com alguns habitantes da aldeia, a fronteira social era marcada por uma pequena cerca que atravessava o centro da praça, mas outros afirmavam que era o banco em frente à casa dos homens que servia de linha divisória. Como dizia Aiyuruwa, chefe mehinako:

"Nós não casávamos com uma mulher no nosso lado. Casávamos no outro lado. E quando alguém do outro lado morria, não chorávamos nem nos desfazíamos de nossos cintos e de nossas pinturas. Somente eles ficavam de luto".

A única remanescência possível dessa organização em metades entre os Mehinako contemporâneos é o padrão no qual as casas de chefes devem colocar-se frente a frente, orientando-se, a cada novo deslocamento da comunidade, em direção aos seus "opostos" no outro lado da aldeia.

As aldeias mehinako históricas localizavam-se ao norte da aldeia aweti atual, no rio Tuatuari. Os Mehinako voltam a essas comunidades todo ano para a coleta de pequi e para fazer sal (cloreto de potássio) com uma espécie de aguapé chamado jacinto, encontrado em lagos da região. Para os Mehinako, esses locais são o seu habitat tradicional. O abandono dessas comunidades se deu por várias razões, como o esgotamento da fertilidade da terra, a proximidade em relação a muitas colônias de saúvas, a ocorrência de muitas mortes no local e a crença de que as construções e os caminhos da comunidade haviam se tornado grandes e degradados demais, causando problemas para sua reconstrução.

Todas as aldeias antigas são descritas nostalgicamente pelos Mehinako como maiores e melhores do que a sua comunidade presente. É dito que no passado, a praça central era cercada por algumas fileiras de casas em vez de apenas uma. As pessoas estavam a salvo de epidemias de doenças do homem branco (até as gripes eram desconhecidas), o peixe era mais abundante e a fofoca menos intensa.

No momento da primeira visita do explorador alemão Karl von den Steinen, em 1884, os Mehinako tinham três aldeias separadas, embora uma delas possa ter sido apenas um sítio para estadia na estação seca (uleinejepu). É provável que a população em 2002 fosse de cerca de 183 habitantes, ou seja, apenas pouco mais que um quarto do que era nos dias de von den Steinen. As aldeias mehinako costumavam ter muito mais famílias e casas que no presente.

O deslocamento das aldeias mehinako de seus territórios tradicionais foi provocado pela chegada dos Ikpeng, grupo falante de uma língua karib, em meados da década de 1950, que atacaram os habitantes da aldeia com uma enxurrada de flechas. Quando o chefe mehinako foi acertado em suas costas por uma flecha ikpeng, os irmãos Villas-Bôas incentivaram os habitantes da aldeia a abandonar seu território atual para se deslocar para um lugar mais próximo do posto. Os Yawalapiti haviam feito o mesmo, na mesma época, para escapar dos Ikpeng. A um quilômetro do posto, os Yawalapiti deram aos Mehinako sua primeira casa, Jalapapuh, "o lugar das formigas saúvas". Ambos grupos mais tarde concordaram que os Mehinako poderiam pescar apenas nas áreas do rio Tuatuari que fossem próximas à sua comunidade. No caminho de Jalapapuh, os Mehinako pararam na aldeia aweti, onde dividiram o território com um aglomerado de bananeiras situado no meio do caminho entre as suas aldeias. Os Mehinako concordaram que eles não iriam explorar cana para fazer flechas nessa área sem a permissão dos Aweti. Assim, grandes áreas de floresta e várzea permaneceram algo como um território ambiguamente mehinako, aweti e yawalapiti.

O estabelecimento efetivo da comunidade em Jalapapuh foi determinado por uma mulher yawalapiti casada com um mehinako. A nova aldeia foi situada a alguns metros do rio Tuatuari em lugar próximo às primeiras roças e plantações de pequi dos Yawalapiti.

Com a mudança para Jalapapuh, os Mehinako construíram algumas aldeias novas próximas à comunidade de origem. Nos anos 1960, depois que uma série de epidemias de gripe e de sarampo mataram mais de 15 pessoas, os Mehinako se restabeleceram em um novo local a aproximadamente 183 metros de distância. Em 1981, construíram, mais uma vez, uma nova comunidade na mesma área, pois a antiga havia se tornado reduzida e pouco atraente. A proximidade do Posto Leonardo facilitava o acesso a tratamento médico e aos bens de consumo trazidos pelos irmãos Villas-Bôas, de modo que eles não tinham intenção de retornar às suas terras tradicionais mesmo que passada a ameaça dos Ikpeng.

Apesar da freqüência de deslocamentos, os Mehinako preservaram muito do que lhes é importante no modo de vida da aldeia e das suas relações com outros grupos. Como no passado, a aldeia fora direcionada ao rio Tuatuari. O sol nasce sobre o Kurisevo, passa diretamente sobre a casa dos homens no centro da comunidade, e se põe no Tuatuari. O caminho que vai de leste a oeste, do porto do Kurisevo ao Tuatuari, é ainda o "caminho do sol".

Além disso, com a mudança para Jalapapuh, as relações dos Mehinako com outros grupos se intensificaram. Os vizinhos yawalapiti passaram a casar-se mais freqüentemente com os Mehinako do que no passado, e compartilham com eles rituais importantes. O posto Leonardo Villas-Bôas, com seu constante fluxo de visitantes xinguanos, distava apenas três horas da aldeia. A aldeia atual se chama Uyapiyuku e é um pouco mais distante do Posto, mas este ainda é freqüentemente visitado pelos jovens.

Foi também criado o Posto de Vigilância (PIV) Kurisevo, cujo chefe é um Mehinako que vive no local com sua família. O posto fica cerca de 40 minutos de carro da sede de Gaúcha do Norte, município muito freqüentado pelos Mehinako para compra de bens de consumo e negociações com a prefeitura, que é responsável pelas escolas da aldeia e do PIV Kurisevo [dados de 2002].

 A aldeia

Aldeia Jalapapuh, onde os Mehinako habitavam na década de 80 e cuja disposição das casas é semelhante à atual aldeia, Uyapiyuku, seguindo o padrão alto-xinguano. Foto: Thomas Gregor, 1983.
Aldeia Jalapapuh, onde os Mehinako habitavam na década de 80 e cuja disposição das casas é semelhante à atual aldeia, Uyapiyuku, seguindo o padrão alto-xinguano. Foto: Thomas Gregor, 1983.

Dizem os Mehinako que sua atual aldeia, Uyapiyuku, foi planejada nos moldes de todas as aldeias anteriores, desde o tempo da Criação: deve ficar entre dois rios, o Tuatuari, a oeste, e o Kurisevo, a leste. Quando o sol nasce, seu caminho através do céu deve ser paralelo ao grande caminho que vai do porto do Kurisevo até o centro da aldeia. A casa dos homens deve dividir em dois o caminho do sol, e o banco em frente à casa dos homens deve proporcionar, a leste, uma vista livre por sobre a estrada, através da floresta. Ao passar por cima da “casa dos homens”, o sol deve seguir o grande caminho para oeste até o lugar de tomar banho, onde finalmente se põe. Assim, o plano terrestre da aldeia reflete a arquitetura do céu.

A aldeia parece ser dividida em dois por um grande diâmetro que a atravessa de leste para oeste. Esta linha é a principal estrada que leva à área de tomar banho e ao porto ao longo do Kurisevo. As casas são dispostas em torno de um grande círculo, precariamente desenhado, que rodeia a “casa dos homens”. Dentro de cada casa, o dono (a pessoa que iniciou sua construção) dorme mais perto do caminho do sol do que qualquer um dos outros residentes. O status também está firmemente associado à localização da casa, uma vez que as moradias dos chefes só são construídas junto a uma estrada principal, em um dos pontos cardeais. Já os homens comuns constroem suas casas entre as residências principais.

Na região da praça em frente à “casa dos homens”, os habitantes da aldeia tomam decisões, fazem discursos, realizam rituais e cultivam uma sociabilidade de caráter eminentemente público. Literalmente, a palavra que designa a praça, wenekutaku, significa “lugar freqüentado”. Outra sub-regiões da praça também têm nomes específicos. O “campo de luta”, kapitaku, é destinado para sessões de lutas à tarde. O “círculo dos xamãs”, yetemá, é onde todas as noites os xamãs da aldeia se encontram para fumar e discutir os acontecimentos do dia. O cemitério também está situado na praça e, no dizer dos Mehinako, é ligado ao céu por uma estrada invisível que sai da aldeia.

As atividades masculinas situam-se fora da casa, como a caça, a pesca, a sociabilidade pública e a perambulação na floresta. Assim, a casa está associada à feminilidade, em oposição à praça e ao resto da aldeia que se ligam à masculinidade.

Cada casa é, idealmente, orientada de modo que sua parte dianteira dê para o centro da aldeia. Ali, no fim da tarde e à noitinha, as mulheres sentam-se para conversar, catar piolhos umas das outras e assistir à luta dos homens.

A área da casa em frente à porta traseira é utilizada como depósito de lixo e para um grande número de atividades diárias, como preparar a mandioca na estação seca, limpar os peixes, trançar as cestas, esculpir a madeira, relacionar-se com membros da própria residência e, furtivamente, para propor relações extraconjugais.

Ao entrar pela primeira vez pela baixa porta de entrada de uma casa mehinako, o visitante é surpreendido por uma sensação de vasta e escura amplidão, já que há pouquíssimos pilares em seu interior. Como não há janelas e as portas da frente e de trás deixam entrar pouca luz, há um grande contraste entre a claridade da praça e a escuridão do interior. À noite, depois que as portas são fechadas para que não entrem os mosquitos e as bruxas – que, acredita-se, perambulam pela escuridão –, a única luz vem das pequenas fogueiras que os Mehinako acendem junto a suas redes.

O chão de casa é dividido em certo número de zonas, cada uma das quais associada a um conjunto de atividades sociais. A área em torno da porta de entrada é local para trabalhos manuais, para tomar conta das crianças e acompanhar o que ocorre na praça. Também é ali que o visitante é recebido.

Já a parte central da casa é utilizada como despensa, área de trabalho e cozinha. Uma grande prateleira, na base dos postes principais da habitação, sustenta vários e altos silos de mandioca. Nessa área, utilizando uma vasilha de cerâmica e um pilão de madeira, as mulheres preparam o peixe e o beiju.

As áreas de dormir situam-se para além dos dois principais postes de rede, que são os mais pesados na estrutura da casa. As famílias nucleares estendem suas redes perto uma das outras, compartilham um núcleo comum e até guardam os objetos pessoais em prateleiras comuns, ou suspendem-nos nas vigas por meio de cordas compridas. Mas são partes privativas da casa e apenas eventualmente um amigo é convidado a sentar na rede de outro.

 Relações com os alto-xinguanos, outros povos do Parque e com os brancos

Os Mehinako são participantes assíduos no sistema de trocas dos povos do Alto Xingu. De certo modo semelhantes a alguns dos outros grupos alto-xinguanos, eles dividem o mundo dos humanos em três categorias: wajaiyu, kajaiba e putaka. De acordo com os Mehinako, todos os povos alto-xinguanos, putaka, têm uma só origem. Todos, dizem os Mehinako, "comem as mesmas comidas". Os wajaiyu são os "índios selvagens", que vivem além das fronteiras do mundo alto-xinguano, e com os quais convivem desde a chegada dos irmãos Villas-Bôas e a criação do Parque. No passado, os Mehinako haviam sofrido ataques dos Ikpeng, Suyá e outros povos wajaiyu que haviam atacado os alto-xinguanos em busca de mulheres e de vasos de cerâmica. Uma aldeia histórica mehinako localiza-se em um sítio onde um Suyá foi morto por residentes furiosos. Por isso é chamada ainda hoje de lugar dos Suyá (Suyapuhi).

Os Mehinako explicam as diferenças entre eles e os wajaiyu nos termos da mitologia. Em tempos remotos, o Sol fez os povos do Alto Xingu, dando a cada uma deles um lugar para viver e um modo de vida. Os wajaiyu (apresentados, em muitos mitos, como prole de animais) jamais obtiveram os rituais, os implementos e a cultura dos alto-xinguanos.

Os wajaiyu são exemplos de tudo o que pode ser errado em relação ao comportamento humano. Recentemente, estando os Mehinako livres da ameaça de invasões, a interação com indivíduos considerados wajaiyu tem cada vez mais ganhado espaço, sobretudo em partidas de futebol, em parcerias comerciais e nas articulações políticas entre os povos que vivem no Parque, principalmente naquelas relativas a defesa de seu território. Desde a criação da ATIX (Associação Terra Indígena do Xingu), em 1995, os Mehinako participam das grandes assembléias com todas as demais lideranças do PIX, nas quais são discutidas a vigilância e a defesa do território, saúde, educação e alternativas econômicas. Ademais, pelo fato de serem responsáveis pela administração do PIV Kurisevo, os Mehinako mantêm uma forte articulação política com os povos do “Baixo Xingu”, em especial com os kaiabi e Yudjá, que atuam no projeto Fronteiras – de fiscalização e defesa do território – pela ATIX.

Já a concepção que se têm dos Karaiba, os homens brancos, é de que são filhos do sol como os próprios Mehinako. Sua civilização tecnológica é uma dádiva do sol, seus costumes especiais e sua aparência física são perpetuados por seguir sua cultura e, especialmente, por comer suas comidas únicas. Um Mehinako explicou o significado da comida na criação das diferenças entre os xinguanos, os índios selvagens e os homens brancos: "O sêmen de vocês é feito do café, do leite, da sopa e do chocolate quente; do arroz, do feijão, e da carne dos animais. Do Guaraná também. O sêmen de vocês é, como essas comidas, doce. E suas crianças são grandes porque a comida de vocês é doce. Mas a comida de vocês é diferente. A nossa comida é sem gosto, e o nosso sangue é diferente. Nossas crianças são pequenas e diferentes das de vocês. É por essa razão que as crianças dos japoneses e os índios selvagens são diferentes de nós. Sua comida e o sêmen de seus pais são diferentes dos nossos".

Em relação aos brancos, os Mehinako ainda têm dificuldade para compreender a diminuição da atuação política da Funai, que acarretou na diminuição de presentes oferecidos no Posto Leonardo. De modo geral, apesar de uma experiência geralmente positiva com os brancos, os kajaiba permanecem profundamente incômodos para os habitantes das aldeias. É significativo que no sistema mehinako de interpretação dos sonhos o branco apareça como um presságio de doenças, conhecidas como kajaiba ipyana, ou "feitiçaria do homem branco". Por outro lado, os Mehinako têm buscado uma forte articulação com a prefeitura de Gaúcha do Norte, buscando sobretudo outra fonte de bens, como gasolina, material escolar e salários para o professor indígena.

Desenho: Makaulaka Mehinaku
Desenho: Makaulaka Mehinaku

Outra presença marcante do universo dos brancos no local é um missionário que mora na aldeia e cuja esposa é da etnia Terena. Ele leciona na escola, além do professor índio. Embora bastante despreparado pedagogicamente, o missionário conseguiu conquistar a confiança das lideranças da aldeia.

Para além dos limites do Xingu, os Mehinako têm buscado divulgar sua cultura entre os Karaija através da publicação de um livro com fotos e vídeo, com apoio da Rainforest do Japão. Também participam do projeto "Rito de Passagem", que promove apresentações de danças e cantos indígenas nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

 Língua

Foto: Thomas Gregor, 1983
Foto: Thomas Gregor, 1983

Em meio às muitas semelhanças entre os povos alto-xinguanos, a característica mais relevante que os diferenciam é a língua. "Apenas aqueles que falam a nossa língua são iguais a nós", disse certa vez um chefe mehinako em um discurso na praça da aldeia. Falantes de uma língua da família Aruak, o único grupo que fala uma língua próxima são os Waujá, muitas vezes referidos como "nossos outros", expressão de seu parentesco e proximidade. Em contrapartida, os demais xinguanos podem ser simplesmente chamados de "outros". A questão da fala comum é de grande importância aos Mehinako, uma vez que eles só se sentem à vontade para falar outras línguas que realmente conhecem. Homens e mulheres que se casam em outras aldeias relutam em falar uma nova língua de modo incorreto, buscando aprendê-la em um momento anterior. Mesmo quando o domínio pleno da língua é alcançado, os Mehinako permanecem reticentes em usá-la em situações públicas.

A variante waujá do Aruak é inteligível para falantes do mehinako, mas as línguas guardam algumas diferenças. Muitos termos do vocabulário básico são distintos, bem como as terminações verbais e o sistema fonético.

 Sistema de trocas comerciais

A troca de itens comerciais especializados constitui uma base importante do sistema alto-xinguano. O sistema comercial é valorizado tanto pelas mercadorias que supre como pelo sistema de interdependência que estabelece. A especialidade tradicional dos Mehinako no comércio é o sal obtido durante a estação seca, em agosto. Nesse período, todos os habitantes da aldeia disponíveis para fazer a viagem vão até um sítio de aldeia tradicional, onde cada família trabalha para produzir o sal (não o cloreto de sódio, e sim de potássio). Esse ingrediente é um elemento central na culinária mehinako, sendo também muito estimado pelos outros xinguanos, que se apresentam ao longo do ano na aldeia mehinako para trocar tigelas de madeira, vasos de cerâmica, colares e cintos de conchas por grandes quantidades de sal. Membros de outras etnias também vão aos Mehinako pelo algodão, que os habitantes da aldeia fabricam em quantidades que vão além de suas necessidades.

 Rituais

Ritual do Akajatapa, em que as jovens recebem o uluri. Em período de reclusão, elas não cortam a franja dos cabelos. Foto: Thomas Gregor, 1983.
Ritual do Akajatapa, em que as jovens recebem o uluri. Em período de reclusão, elas não cortam a franja dos cabelos. Foto: Thomas Gregor, 1983.

Os Mehinako e sua cultura cerimonial são centrais para o sistema religioso xinguano. Muitas das mais importantes canções rituais são entoadas em mehinako, e muitos dos espíritos também reconhecidos em outras aldeias parecem ter nomes de origem aruak. De acordo com a antropóloga Ellen Basso, por exemplo, os Kalapalo cantam músicas rituais em mehinako, embora esse povo Karib não entenda Aruak.

Como os demais alto-xinguanos, os Mehinako participam na maioria dos festivais intertribais que comemoram a posse de novos chefes e a perfuração de orelhas de meninos (pihika), o luto por pessoas recentemente mortas (ata kaiumãi, que corresponde ao Kwarup, na língua Kamayurá), os festivais de comércio da estação chuvosa (huluki), e uma grande quantidade de cerimônias menores. Os habitantes da aldeia enviam embaixadores cerimoniais (waka) para levar seus convites acompanhados de presentes e discursos estilizados.

O sistema ritual mehinako é semelhante ao dos outros povos alto-xinguanos no que diz respeito à estrutura geral, que conta com "patrocinadores" e "realizadores" cerimoniais. Com exceção dos aliados próximos Waujá e, possivelmente, dos Yawalapiti, as outras comunidades xinguanas apresentam variações locais de rituais, mas o sistema é suficientemente aberto de maneira a aceitá-las.

Nesses rituais, os chefes são associados à coleta do pequi no final de cada ano. De acordo com as crenças dos Mehinako, as plantações são o lar dos espíritos, que são os verdadeiros donos do pequi. Esses donos-espíritos são propiciados no curso de rituais realizados ao longo de um período de aproximadamente seis semanas, durante o qual os espíritos, personificados pelos participantes, são trazidos à aldeia, ritualmente alimentados, e então mandados de volta às suas plantações com preces por mais pequi nos anos vindouros. Entre os espíritos-donos das plantações está matapu, o espírito do zunidor, foco de um importante ritual de três dias. No curso deste ritual, os habitantes da aldeia fazem zunidores (objeto composto por uma haste com uma placa de madeira na ponta que, quando girada, produz um zunido), que são pendurados nas casas dos homens e são mantidos à distância das mulheres da aldeia.

 Intercasamentos

Foto: Thomas Gregor, 1983
Foto: Thomas Gregor, 1983

O fluxo de mercadorias e serviços cerimoniais entre os diferentes povos é parte de um sistema mais amplo de intercâmbio, cujo componente principal são pessoas. Visita a outros grupos são motivados por um desejo de estabelecer comércio, para fugir da mesmice das pressões sociais em casa, para assistir rituais em outras aldeias e, ainda, para procurar cônjuges em outro grupo.

Os Mehinako, no entanto, preferem casar-se em casa, mas por vezes não se encontram cônjuges de idade ou grau de parentesco satisfatórios. A solução é obter um cônjuge pela ativação de laços já estreitados com outras comunidades. No presente, há conexões de parentesco com todos os grupos xinguanos, que servem como base para casamentos intertribais.

Os Mehinako casam-se com outros xinguanos apenas como última alternativa, pois não gostam da idéia de perder a presença e o apoio dos filhos. Uma vez que nenhuma regra regular de residência pós-marital prende os filhos às comunidades de seus pais, há sempre o risco de que, com o casamento, se deixe o grupo de origem.