Etnia Waiwai
Os índios que se identificam e são identificados como Waiwai encontram-se dispersos em extensas partes da região das Guianas. São falantes, em sua maioria, da família lingüística Karib. Constituíram-se a partir de processos seculares de troca e de redes de relações na região. Em tal rede, são historicamente reconhecidos como especialistas no fornecimento de sofisticados raladores de mandioca, papagaios falantes e cães de caça. Têm fama até os dias de hoje de grandes viajantes em suas expedições em busca de “povos não vistos” (enîhnî komo).
Língua
A língua Waiwai, que pertence à família lingüística Karib, constitui o idioma principal utilizado pelos habitantes das comunidades Waiwai. Até o início dos anos 2000, havia várias outras línguas também faladas nestas comunidades, cada uma por parentelas de outros índios que se intercasaram com os Waiwai ou que migraram em massa para conviver com os Waiwai durante a fase de sua centralização em grandes aldeias entre 1950 e 1980.
Ainda em 1980, além desta língua predominante (que todos aprenderam), havia parentelas falando outras línguas Karib (Katuena, Hixkaryana, Xerew, Karapayana) ou línguas da família lingüística Arawak (Mawayana, Wapixana). Havia também indivíduos de línguas maternas que se extinguiram ou foram quase esquecidas (Parukoto, Taruma, Cikyana), além de algumas pessoas de povos vizinhos, que vieram morar com seus esposos Waiwai, falando outras línguas (Makuxi, Tiriyó, Atroari). Hoje a maioria dos jovens que nasceu nas comunidades Waiwai fala somente esta língua dominante.
A partir da década de 1990, algumas comunidades Waiwai (como por exemplo, a de Mapuera), grandes demais para sustentar a população devido à escassez de recursos, começaram a passar por uma fase de descentralização. Desde então, muitos dos povos que moraram entre os Waiwai estão voltando para suas áreas originárias e fundando novas aldeias onde a sua própria língua é dominante. Esse é o caso dos Hixkaryana, Karapayana, Katuena e Xerew. Os Mawayana, reduzidos a uma meia-dúzia de sobreviventes que ainda sabem falar a sua língua materna, continuam a conviver entre os Waiwai e os Tiriyó.
Tais processos de centralização e descentralização ajudam a esclarecer porque a língua Waiwai se transformou em língua franca na região, sendo aquela predominantemente falada nas Assembléias Gerais na região, que começaram a ser organizadas a partir de 2003.
O movimento de centralização e descentralização marca tanto a ocupação territorial – que se baseia fortemente na autonomia dos grupos locais, mas também em jogos políticos na conjuntura atual, que envolve o contato e a negociação permanente com não-índios [ver item Relações atuais com não-índios] – quanto a concentração e a dispersão da população em diferentes momentos históricos na região que abrange o Rio Essequibo na Guiana [ver box: Waiwai na Guiana], os Rios Anauá e Jatapuzinho em Roraima, os Rios Jatapu e Nhamundá no Amazonas, e o Rio Mapuera no Pará.
A bibliografia atesta que nos últimos 50 anos o convívio constante com não-índios – inicialmente com missionários norte-americanos da Unevangelized Fields Mission (UFM), posteriormente com a Missão Evangélica da Amazônia (MEVA) e com agentes da Funai, Funasa, além de contatos esporádicos com pesquisadores e a população ribeirinha, entre outros – inaugurou um processo de concentração das casas coletivas que outrora estavam dispersas entre os dois lados da Serra do Acarai, divisa do Brasil com a Guiana. Mas o surgimento de novos padrões de assentamento implantados pelos missionários – que resultaram em grandes aldeias como, por exemplo, a de Mapuera – não significa que a importância da autonomia dos grupos locais tenha deixado de existir ou de fazer sentido, muito pelo contrário. Ao que tudo indica, esse processo de centralização está atualmente sendo seguido por outro de re-dispersão, como demonstram a migração e criação de novas comunidades waiwai, como as de Catual, Soma, Samaúma, para citar apenas alguns entre muitos outros exemplos.
O espaço oficialmente reconhecido consiste em Terras Indígenas que abrangem parte dos Estados do Amazonas, Pará e Roraima:
- TI Nhamundá-Mapuera (PA), com 2.218 pessoas em 2005;
- TI Trombetas/Mapuera (AM/RR/PA), com 500 pessoas em 2005;
- TI Wai-Wai (RR), com 196 pessoas em 2005.
Rituais e transformações
As duas grandes festividades coletivas entre os Waiwai eram, antes da chegada dos missionários, os festivais shodewika (festas nas quais uma aldeia ia visitar a outra) e os rituais yamo (quando espíritos da fertilidade, invocados por dançarinos com máscaras, moravam na aldeia por vários meses). Nas festas sempre havia fartura de bebidas fermentadas, danças e brincadeiras. Depois de vários anos de presença e insistência dos missionários, os Waiwai aceitaram aos poucos trocar as bebidas fermentadas por bebidas de buriti, uma das transformações ainda introduzida pelo carismático líder Ewka na época em que moravam no alto Essequibo (Guiana).
Hoje em dia, seguem sendo celebradas duas grandes festas que passaram a ser chamadas, com os missionários, Kresmus (uma pronúncia waiwai da palavra inglesa Christmas) ou Festa de Natal, comemorada no fim de ano, e, em abril, a Festa de Páscoa, na qual ocorrem frequentemente batismos. Como seus nomes e suas datas indicam, estas festas incorporaram certas referências cristãs, mas cabe lembrar que a Festa de Natal cai exatamente na época da seca e a Festa de Páscoa coincide com o fim desta época, períodos em que já aconteciam rituais festivos antes da chegada dos missionários. Cabe questionar também se os diversos setores envolvidos na evangelização conseguiram efetivamente substituir as concepções cosmológicas e/ou as filosofias waiwai. Ao que muito indica a lógica da substituição não parece fazer sentido, mas sim uma lógica de transformação e seleção.
Uma transformação relevante diz respeito ao papel dos visitantes nestas festas: este não é mais cumprido por moradores de uma aldeia que vão visitar uma outra, mas por caçadores waiwai ao retornarem para a própria aldeia após uma prolongada caça provedora da comida para a festa. Este retorno é marcado ritualmente por duas chegadas/entradas: na primeira, os caçadores aparecem como “visitantes” devidamente decorados com penas de gavião grande e pequeno (yaimo e wikoko) e carregam toda carne fresca de sua caça ao redor de seus corpos para a grande casa cerimonial chamada umana. Lá atiram flechas em animais (principalmente aves) feitas de madeira e penduradas no alto da umana para este fim.
Após voltarem para suas canoas, os caçadores/visitantes encenam ritualmente a segunda chegada/entrada na umana tocando flautas e carregando desta vez a carne moqueada em grandes awci (um tipo de mochila confeccionado com folhas de bananeira). Na umana, as anfitriãs, que neste contexto são chamadas de donas do suco (yîmîtîn), oferecem aos caçadores/visitantes suco de buriti (you yukun) e beiju, recebendo em troca as carnes frescas e moqueadas para serem preparadas para a comida coletiva.
Durante todos os dias de festa as refeições são coletivas e vários cultos são organizados com uma série de canções, muitas delas compostas especialmente para a festa, que também acompanham danças e um grande número de jogos e brincadeiras, entre as quais figuram tanto referências indígenas mais antigas (p.ex.: as danças dos animais), como também novidades advindas do contato com não-índios (p.ex.: o futebol).
Cada qual a sua maneira, estas danças, jogos e brincadeiras configuram rituais pelos quais os Waiwai traduzem forças e recursos exteriores, como por exemplo: sua relação com os animais e seus poderes (de acordo com suas diferentes posições cosmológicas) através das danças dos animais; forças celestes através da arte plumária; potências espirituais (indígenas e cristãs) através de músicas e invocações; e, entre outras, também sua relação com outros índios e não-índios através do ritual dos visitantes conhecido por pawana.
Xamanismo
Atualmente nenhum Waiwai se declara mais xamã, mas como o xamanismo não pode ser definido de forma reducionista pela presença de xamãs isto não significa que modos de pensar e agir xamanicamente não continuam operantes. Eles se manifestam, por exemplo, sob a forma de acusação de feitiçarias, quase sempre atribuídas aos Waiwai de outra comunidade ou a índios de outros lugares. Assim, nenhuma morte é tida simplesmente como um acontecimento natural, mas sempre em relação a acontecimentos de outra ordem, como é o caso, também, de diferentes experiências e concepções oníricas. Não cabe aqui uma tentativa de desvelar estes domínios que circulam em âmbitos velados. Os Waiwai dizem, neste sentido, que é escondido, que ninguém fala, mas todo mundo sabe e que estas trocas de feitiçarias não voltam para trás não, vão longe.
Práticas socioambientais e atividades econômicas
O ciclo anual waiwai se alterna entre a época seca e a época chuvosa, sendo a primeira farta em comida e vida coletiva, e a segunda, ao contrário, marcada pelos recursos mais escassos, fazendo com que as famílias waiwai se dispersem em roças mais distantes.
Em função deste ciclo, mas também pelos problemas decorrentes das grandes concentrações populacionais, as roças se dividem em dois tipos: aquelas situadas perto da aldeia e as mais distantes. Nestas últimas, muitas famílias passam boa parte da época chuvosa, assim como recorrem a elas quando os recursos perto da aldeia não são suficientes para todos.
As roças são preparadas (abrindo-se o espaço pela derrubada, queima e limpa) entre agosto e setembro, quando acaba o período das chuvas, e o plantio é feito entre janeiro e março, em trabalho realizado de forma comunitária. As principais espécies plantadas são: algodão, abacaxi, banana (diversas espécies), cana-de-açúcar, mamão, tubérculos como cará e batatas (diferentes tipos) e, sobretudo, a mandioca brava, da qual fazem, após extrair a toxina, o beiju, farinha e bebidas de tapioca (goma).
Além da agricultura de coivara, suas atividades de subsistência se baseiam na caça, na pesca e na coleta de produtos silvestres. Os principais produtos da caça são: anta, veado, porco do mato, macaco (coatá, guariba, prego), mutum, jacamim, cutia, paca, tatu, jabuti, tucano, araras etc. As aves são também caçadas por sua plumária, pois as penas são utilizadas no artesanato. Desde os anos 1950, os homens waiwai se acostumaram a caçar com espingardas, mas, quando falta munição, seguem usando arcos e flechas, estes também na pesca. Os peixes mais comuns são: trairão (aimara), surubim, pacu, piranha, etc. A coleta traz importante complemento na alimentação, em que se destacam: cajus silvestres, açaí, buriti, pupunha e nozes, principalmente, a castanha-do-pará. A castanha é coletada principalmente para ser comercializada, assim como são a farinha de mandioca, canoas e produtos de artesanato. Com o dinheiro destes produtos vendidos, os itens mais comprados são: motores de popa, roupas, anzóis, linha, munição, sabonete, sal e redes industrializadas.
A produção de artesanato tem aumentado bastante, sobretudo quando os Waiwai desejam adquirir itens industrializados. As mulheres fazem cerâmica, raladores de mandioca, tangas e colares de sementes, entre outros; os homens fazem cestos, pentes, adornos de plumária, arcos e flechas etc. Boa parte do artesanato é levada para ser vendida em Boa Vista, mas também em Manaus, e, nos últimos anos, alguns jovens têm vendido artesanato durante a Festa do Boi em Parintins. Os Waiwai, sobretudo os jovens, também obtêm dinheiro ou mercadorias trabalhando, esporadicamente, nas vilas ribeirinhas, como, por exemplo, em Entre Rios e Caroebe.
FONTE: https://pib.socioambiental.org/pt/Povo:Waiwai